Blog sobre cinema e o universo cinematográfico, principalmente o cinema europeu, asiático e independente, optando por abordar os filmes que não fazem parte do circuito conhecido como comercial.



domingo, 28 de março de 2010

Defensor (Defendor) - 2009



Vou começar diferente dessa vez, vou começar pelos créditos. O filmes não tem créditos iniciais, mas os créditos finais são muito bem feitos, os nomes vão passando pela tela utilizando de tipografia sem serifa, na cor brancas com fundo preto, enquanto vemos imagens de bolinhas de gude e outros instrumentos que o personagem principal utiliza como arma durante o filme, muito bom.

A trilha sonora é bem composta, principalmente a música que embala os momentos de ação, e capta o espírito do herói e também o estilo de filmes de quadrinho.

A capa do filme eu não achei nada demais, com a foto de Wood Harrelson, como o herói, ou melhor, suposto super-herói do filme. Não tem como fugir do conceito, pois utiliza uma foto do próprio filme, mas não tem nada de especial, cumpre o seu papel, e como já disse a adequação é o que realmente importa.

Já a atuação fica a cargo basicamente de três pessoas, Wood Harrelson, que como sempre está muito bem no papel, consegue criar expressivamente cenas realmente engraçadas no filme, que pra mim está mais para drama do que comédia. A guria Kat Dennings, faz um papel meio batido no cinema, da prostitutazinha abusada pelo pai que se mete nesse submundo para manter seu vício, já vi tanto esse tipo de personagem que nem presto muito atenção. Então, de um tempo pra cá, pra mim tanto faz se a atuação foi boa ou não, porque não presto muito atenção mesmo, a não ser é claro se a atuação for formidável e roubar a cena, ai sim. Elias Koteas faz um policial meio bocó, que eu acho que foi até bem interpretado, muito embora eu não consiga definir se é devido a ele ser daquele jeito mesmo ou se o ator definiu bem o papel daquela forma, seja como for, ficou interessante em sua parceria com um maluco que acredita ser um super-herói.

A premissa do filme, embora simples, mas até certo ponto original, trata de um homem que acredita ser um super-herói, e como tal não poderia deixar de combater o crime, e está em busca de seu arqui-inimigo o Dr. Indústria.

Muito embora eu não tenha achado o filme realmente cômico, considerando o cerne da questão, está mais para drama mesmo. Eu gostei, por sua originalidade em mostrar o que seria um homem com problema mental, que a psicóloga no filme diagnostica como Síndrome alcoólica fetal, déficit de atenção, depressão, megalomania, incapacidade de prever conseqüências, séria ausência de bom senso e imaturidade social, o que pode ser até discutido, eu mesmo não concordo muito, mas daí já podemos imaginar o plano de fundo da trama.

Não tenho muita coisa a dizer. Como manda o figurino, as comédias normalmente criticam algo, e nesse caso eu pude identificar não muitas, mas algumas, como por exemplo, não importa o quanto o cara seja inofensivo e talvez esteja até certo, o comportamento dele e a forma como ele lida com o problema é taxado de loucura e retardamento pela sociedade que se julga normal, até mesmo o telespectador, pelo menos comigo foi assim, vê no personagem um cara completamente molóide, primeiro pela roupa do cara, que tem um “D”, de Defendor, o nome do super-herói criado pelo personagem de Wood Harrelson, quando está defendendo a cidade dos criminosos, escrito com silvertape, depois por ter um capacete de construção civil com uma laterna ligada pregada na lateral do capacete, pois o mesmo grava a suas ações, ou seria melhor dizer suas trapalhadas, e é tão molóide, que quando está escondido na escuridão, quer que ninguém o veja, mas está sempre com a luz do capacete acesa, se não fosse uma comédia ia ser motivo de falar mal, mas nesse caso esses detalhes contribuem para a narrativa. Mas a crítica está em olharmos as aparências e nos esquecermos de olhar os fins, como diz o ditado “a vestimenta não faz o monge” ou “quem vê cara, não vê coração”, que nesse caso poderia ser “quem vê o comportamento se esquece das finalidades”, sei que essa foi horrível, mas como o comentário é de um filme de comédia, sei que vão me perdoar (risos).

A segunda crítica é a de que ninguém faz nada, a polícia não resolve, o governo não faz nada e a justiça muito menos, que está mais preocupada em prender o molóide do que em prender os bandidos. Isso sem contar as burocracias, fazendo com que o nosso super-herói tenha que gravar uma fita mostrando os bandidos bolando o plano, em uma das cenas cômicas do filme, e outra nos mostra ainda como que um cara completamente lerdo consegue gravar uma cena dessas, que só não ficou boa como prova porque o equipamento era ruim. Ele faz algo que a pólica não consegue ficando dias, meses e até anos fazendo grampos e infiltrando policiais com essa finalidade. É realmente para rir, sem contar que é uma verdade, os telejornais nos mostram isso o tempo inteiro com suas câmeras escondidas.

Neste cenário em que se encontra a população a Deus dará e abandonado por aqueles que deveriam nos ajudar, surge DEFENDOR (Wood Harrelson), o herói da história, que vai lutar contra o crime, impulsionado mais por suas motivações pessoais, que é vingar a morte de sua mãe, uma drogada supostamente assassinada pelo Dr. Industria, um chefão das drogas, da prostituição e do crime organizado na cidade. No decorrer do filme tudo indica que o cara nem seja o assassino, mas como o nosso herói tem vários probleminhas de cabeça, ele associa todo cara que lida com isso como o assassino de sua mãe, o que não importa realmente se é mesmo, o que não deixa de ser verdade também, porque o filme está criticando no fundo a industria das drogas e prostituição. Defendor tem a ajuda de uma garota que o faz acreditar que o Dr. Industria em questão é o cara que ele procura, então ele parte para sua vingança. O mais engraçado é que o policial Chuck Dooney, que desde o começo do filme tromba com o Defendor, é um policial corrupto, que está envolvido com o suposto Dr. Industria, e o cômico é que o cara sempre se ferra com o nosso intrépido herói que faz dele gato e sapato. Aqui rola uma inversão de papéis, o cara bobão que normalmente nunca ia conseguir pegar ninguém, sempre se sai bem com o policial sujo e criminoso, o que normalmente não acontece nos filmes de ação e aventura. O mais cômico são as armar utilizadas por Defendor, que vão desde bolinhas de gude, usadas tanto para jogar nos criminosos com para que eles escorreguem, quem não se lembra de “Os Trapalhões” na Globo domingo a noite, passado por uma espécie de porrete meio clave, a vespas, não precisa nem dizer que o nosso amigo policial, sofre com todas elas, isso tudo porque o nosso herói tem um probleminha com armas, que ele deixa claro quando diz “ARMAS SÃO PARA COVARDES” (risos).

Outra coisa cômica no filme é o fato de que o nosso herói vive sendo surrado pelos capangas do Dr. Industria.

Mas no decorrer do filme, o telespectador acaba simpatizando com o personagem, e mudando de opinião com relação a ele. Assim como a sociedade, no filme vai criando uma certa conivência com suas ações, até mesmo porque não tem ninguém cumprindo efetivamente esse papel, nós também vamos gostando dele e vamos ficando tanto sensibilizados como indignados com o fato de quererem acabar com as ações de combate ao crime efetuadas pelo herói, e obviamente não queremos que ele morra, o que a cada momento achamos que vai acontecer, porque o homem é maluco, principalmente depois que ele cisma com a idéia de que ele é a prova de balas, após, um policial disfarçado atirar nele com balas de borracha.

Vale a pena a diversão, só não esperem um filme para morrer de rir, diria ser um filme com um humor mais negro, mais “ácido”, mas uma boa diversão para um domingo a noite, no horário do chato e desinteressante Fantástico ou quem sabe da porcaria do Big Brother. Eu com certeza sou mais assistir esse filme do que encarar essas duas aberrações da televisão, ou melhor, eu prefiro assistir qualquer filme no lugar desses programas, que só não vou chamar de programa de índio, porque tenho respeito pelas culturas dos povos indígenas e não vou rebaixá-los a tanto, mas fica ai a dica, pipoquinha e refri para quem gosta domingão a noite.




Ficha Técnica:

Título Original: Defendor / País de Origem: Canada/USA/UK / Gênero: Comédia
Tempo de Duração: 95 minutos / Ano de Lançamento: 2009
Estúdio/Distrib.: Darius Films / Direção: Peter Stebbings

Elenco:

Woody Harrelson - Arthur Poppington / Defendor / Kat Dennings - Kat
Elias Koteas - Chuck Dooney / Sandra Oh - Dra. Park
Charlotte Sullivan - Fay Poppington / Michael Kelly - Paul Carter
Lisa Ray - Dominique Ball / Kristin Booth - Wendy Carter
Dakota Goyo - Jack Carter /Tatiana Maslany - Olga


Sinopse:

Uma comédia centrada em torno de três personagens: um homem comum que chega a acreditar que ele é um super-herói, seu psiquiatra, e ele se torna amigo do adolescente.

Hounddog (Hounddog) - 2007



Começando pela capa como é de costume. Ao meu ver não tem muito o que comentar, montagem com cenas do filme, a minha interpretação pessoal da construção conceitual, é mostrar na imagem maior a personagem principal com uma cobra (filhote no caso), no filme a cobra me parece ser uma metáfora (leia até o final para saber qual é a simbologia), então essa garota em relação a cobra está em uma posição de domínio e superioridade. A foto inferior me lembra uma cena de um casal adulto, porém nitidamente vemos que são duas crianças, na cena que originou esta foto, vemos a menina se vestindo com as roupas da tia, o que pode simbolizar a menina-mulher ou a sua busca e transformação em mulher. Achei de bom gosto a organização da tipografia e o tipo de tipografia usada no título, não tem como fugir do conceito do filme porque a capa foi criada com imagens do mesmo.

Crédito normais. O padrão, tipografia sem serifa na cor branca, sobreposta as filmagens do filme, espero que as pessoas não achem chato esse tipo de comentário, mas é só para constar que estou atento, para não pensarem que eu esqueci.

Trilha sonora, excelente, um blues de primeira. Eu particularmente gosto, e totalmente a ver com o filme, até mesmo porque é apresentado no filme essa questão da música branca e negra.

Boas atuações. O filme inteiro gira em torno da personagem de Dakota Fanning, o que ela soube fazer muito bem. É uma garota que sempre teve boas atuações. Robin Wright Penn, que é especializada nesse tipo de papel e vive aparecendo em filmes com esses tipos melodramáticos e fragilizados. David Morse consegue fazer a construção do homem que sofre um acidente e fica meio molóide. Cody Hanford o amigo de Dakota segura bem o papel. Piper Laurie que interpreta a vó de Lewellen está magnífica, sendo talvez a única personagem que com suas ações, tem um maior controle sobre a personalidade da garota. Por fim o ator negro Afemo Omilami também está confortável no papel, nada espetacular, mas nada péssimo também.

O filme se passa nos final dos anos 50, no Sul dos Estados Unidos, eu particularmente gosto muito desse tipo de filme, que envolve o jazz, os negros norte-americanos e as pessoas do campo.

Praticamente todo o filme se passa em uma pequena área no campo entre um rio, a casa da personagem principal e as imediações. Essa sensação bucólica, campo e natureza é uma coisa que eu gosto e me delício em ver nos filmes, ainda mais pelo fato de ter uma fotografia muito boa, onde há uma exposição maior do amarelo. As cenas ficaram com uma tonalidade muito bonita e agradável.

A história é sobre uma garota precoce que é fã do cantor Elvis Presley, e em sua jornada vai descobrindo as dificuldades que a cercam. Básico em todo filme de drama, já vimos isso em um zilhão de filmes, mas por mais estranho que parece, nós, ou pelo menos eu, ainda gosto de ver.

Mas como sempre tudo tem algo de bom e nesse filme não seria diferente, a primeira delas é o choque de culturas, os negros e os brancos. Já no início do filme vemos Lewellen (Dakota Fanning) cantando uma música do Elvis em cima de uma árvore, música essa que ela canta quase toda hora no filme, já que é a arma que ela usa para fugir dos problemas e conflitos do dia-a-dia, nesta cena vemos Charles (Afemo Omilami), travar o seguinte diálogo com ela:

- Menina, vai cair dessa árvore e quebrar as costas. - Charles

- Quanto mais devo pedir para não cantar mais nada do Elvis? Quando vai cantar um “Blues” de verdade? - Charles

- Não posso cantar Blues. – responde Lewellen

- Porque não? – pergunta Charles

- Não sou negra. – responde Lewellen

- Não é? – Charles

- Não, não sou – fala Lewellen

- Pensei que fosse – diz Charles

- O Elvis é um cara branco cantando músicas de negros. Por isso é uma garota branca cantando músicas de negros. Só quero que saiba que há mais coisas no mundo além de Elvis.

Com se existisse realmente uma música para branco e para negro. Musica é música. Via de regra, são as pessoas que constroem as propagandas e inserem estas idéias através das mesmas. Então temos essa separação racial, já deflagrando ai o modo de vida dos negros e brancos da época em que se passa o filme. E parece que não mudou muito até hoje, da mesma maneira, e eu não vou entrar no mérito da questão, a roteirista (Deborah Kampmaier) mostra aqui a sua opinião, que me pareceu ser a de que Elvis não é um blues verdadeiro, e que a música que ele cantava foi criada pelos negros e que os brancos só passaram a cantar a música dos negros porque um branco começou a cantar. O que nos mostra, mais uma vez, a segregação racial e o preconceito que existia na época em ralação aos negros por parte dos brancos, como a jogada de propaganda em cima do cantor Elvis, o que talvez o tenha transformado no ícone que é conhecido hoje. E pra finalizar, deixa sutilmente uma coisa que sempre que me falam de Elvis ou de Michael Jackson, eu tento explicar, tudo bem que eram competentes, mas não eram nem o melhor, e muito menos a única coisa que existia, mas as pessoas em sua maioria só sabem o que a mídia apresenta e deixa muitas vezes de apreciar e se divertir com muitas outras coisas. Em uma cena vemos Leweelen (e são raros esses momentos), feliz, exatamente vendo uma mulher negra cantando um blues com Charles e seus amigos, foi talvez o segundo momento mais alegre da garota em todo filme, perdendo somente para a cena que Elvis manda um beijo para ela passando de carro pela estrada.

No início da projeção também vemos, a Lewellen garota precoce que gosta de fazer joguinhos, e colocar pulgas atrás da orelha e até no espectador, eu acho que ela consegue, pois pelo menos eu estou incucado com uma coisa, ela diz para seu amigo Buddy (Cody Hanford) que a cicatriz que ele possui é igual a dela, e que a dela tinha sido ocasionada pela agressão do pai, mas no restante do filme, mostra o pai carinhoso com ela, embora não seja com as namoradas, isso talvez seja uma forma da menina fantasiar as coisas para superar os seus problemas. Coisa que fica clara na fantasia que ela desenvolve com seu amigo Buddy, em que ela fala que é uma dançarina e que vai dançar para o Elvis em um show em sua cidade e que Elvis irá levar ela com ele. Em muitos momentos a personagem fantasia coisas do tipo, o que para mim que não sou psicólogo me parece uma maneira de fugir da realidade conturbada em que vive. A sua dificuldade de lidar com a situação de ser pobre e apesar de ser precoce, mas mesmo assim uma criança, não poder ser bailarina do Elvis, uma por não ter condições de fazer uma aula de dança e outra por não ter idade para isso. Mostra também o conflito da família, o pai um homem amargurado, que tem uma caso com a cunhada e a pobreza da família, o que é evidenciado na cena em que Lewellen e Buddy estão colhendo frutas para fazer a geléia da avó, e essas frutas estavam sendo colhidas (ou melhor roubadas como nos confirma Lewellen), de uma propriedade, uma mansão na região, e os dois interagem com uma garota que estava passando férias na casa, e podemos ver essa diferença de padrões sócio-econômico.

O filme segue mostrando a violência do pai, com o que depois ficamos sabendo que é a sua cunhada, e que tinha um caso com o pai de Lewellen marido de sua irmã, o que ocasionou a morte da mãe de Lewellen, até que chegamos a cena que dá origem a foto maior da capa, que é uma cena muito boa, que pra mim constrói muito bem a simbologia da mulher presa em um corpo de menina, aqui nós vemos de uma maneira mais concreta a construção da fantasia, onde Lewellen e Buddy encontram um carro na estrada, entram dentro dele e simulam estar viajando como um casal pela estrada. Lewellen pega então um cigarro e coloca na boca, logo depois encontra uma mala no banco traseiro e começa a vestir as roupas e a calçar os sapatos construindo de maneira visual a menina vestida como uma adulta e fantasiando ser uma adulta. Logo em seguida vemos o carro ser suspenso pelo guincho e descobrimos que sua tia estava fugindo com o motorista do reboque. Lewellen pede para que ela a leve dali, e ai vemos uma cena muito boa em que a garota simplesmente se comporta realmente como uma adulta em um dialogo que deixa a sua tia sem lugar dentro do carro, o que é interessante, essa coisa da menina-mulher, porque de maneira inversa eu vejo a tia como uma mulher-menina, melindrosa, chorona, frágil (como vemos na cena em que implora a ajuda da mãe), totalmente submissa aos namorados. Enfim, nesta cena vemos a garota que supera e se comporta muito mais como uma mulher do que a personagem mulher, sua tia, até mesmo deixando a adulta sem palavras, o que reforça a capacidade de construção simbólica e do conflito do roteiro.

Uma coisa que eu sempre vejo nos filmes que envolvem essa temática, não são todos é lógico, mas pelo menos os que mostram os negros no campo, não em centros urbanos como Nova York (talvez seja uma questão antropológica) é a personalidade e comportamento dos negros e dos brancos diante das dificuldades da vida. Quando fiz o curso de Design me ensinaram a fazer pesquisas para se construir o conceito e o tema, portanto acredito que a roteirista deva ter feito também, e isso é comum em filmes que retratam os negros e os branco e o universo do blues. O que eu vejo sutilmente nos roteiros é que os brancos são normalmente pessoas problemáticas psicologicamente, cheia de conflitos e muito violentas, tanto consigo mesmas quanto com os outros brancos, homens que batem em mulher, homens beberrões, briguentos, abaláveis por qualquer conflito familiar ou social, porém, já mostram os negros como um povo mais unido e mais alegre, sempre disposto a superar as dificuldades de cabeça erguida, apesar de serem tratados como lixo. É lógico que não podemos generalizar, como podemos ver na história de Milles Davis por exemplo, que era um tanto problemático e amargurado, mas essa visão é muito explorada, pode ter um fundo de verdade, o que desconstrói um pouco o que a mídia apresenta hoje em dia. Os negros se matando na África e nos subúrbios americanos.

Voltando a questão da cobra, aproveitando a coisa da capa, bem lá no início do filme, durante os créditos, tem uma cobra subindo em uma árvore, no filme inteiro há cobras, o personagem de Charles, é uma espécie de curandeiro que faz vários remédios, pomadas e ungüentos com as plantas e mais do que isso, o cara faz soro antiofídico, mais uma coisa que mostra os negros mais preparados que os brancos, que inclusive com relação a esse personagem, mostra um negro capaz, inteligente, trabalhador, e dotado de uma sabedoria invejosa e além disso tudo ele ainda é tipo um psicólogo, filosofo e caridoso, pois sempre é ele que ajuda os brancos que estão, via de regra, se metendo em confusão ou não sabem lidar, como por exemplo, com a picada de uma cobra. Mas voltando a questão da cobra, em um momento do filme vemos Charles falar uma coisa, que para mim, de maneira metafórica explica todo o filme e ainda mostra uma questão profunda sobre um aspecto da vida, vemos na cena o seguinte, Lewellen está sentada em um tronco de árvore de noite e vemos Charles falar “Sentindo o Espírito da escuridão? Estou pensando em cobras. A Medicina da serpente é rara. A sua iniciação, vem de terem sofrido muitas picadas de cobras. Faz com que o homem transforme seus venenos, veneno no corpo, na mente e no coração. Veneno na alma, transforma o veneno que pode matar, numa coisa poderosa e boa.” . Resumidamente nessa explicação está toda a questão do filme para mim, mais uma vez vemos os negros com uma capacidade de reflexão maior do que o branco, isso devido a sua tradição, coisa que todo mundo quase sabe, que o misticismo e a tradição dos povos africanos é toda voltada para a natureza e suas forças, principalmente as invisíveis, mas essa reflexão de Charles nos mostra previamente o que o filme quer apresentar, que as picadas são as feridas que a vida deixa nas pessoas, é a iniciação do homem (enquanto ser humano, não relacionado ao sexo), a dura iniciação para nos transformar em homens de verdade, iniciação do sofrimento das dificuldade que temos que atravessar, transformando o veneno deixado em coisas poderosas e boas, porque se não conseguirmos fazer essa “alquimia” é provável que o veneno nos mate, e tanto sintetiza o filme que a protagonista passa por todo tipo de dificuldade (picadas), culminando em ser violentada na tentativa de conseguir um ingresso para assistir ao show do Elvis, e depois ela se fecha e não consegue mais lidar e nem fantasiar uma fuga, o que a leva a ficar de cama, e ai o filme mostra o seu momento mais místico, em que aparece Lewellen deitada na cama e um monte de cobras entrando pela janela, e se amontoando em volta do seu corpo. No que Charles ouve Buddy e os amigos conversando, na hora ele já entende o que está se passando com a garota, Charles vai até a casa dela e a retira da cama e a pega no colo, e temos ai mais uma cena que mostra a sabedoria do negro no diálogo:

- O que vai fazer com esse vazio? Aquilo que amava foi violado e roubado de você. Tem um vazio aí. O que vai fazer com isso? - Charles

- Cala a Boca – Lewellen

- Todo esse espaço vazio deve ser preenchido para que não se torne mau. Ou ficam maus e te comam viva. Maus.– Charles

- Você é só um preto, sabia? Só um preto. – fala Lewellen

- Você também, menina. – retruca Charles

- Não, eu não... – fala Lewellen

- É sim. – diz Charles

- E fez acreditar que não era. A forma como você é tratada faz de você um negro. A maneira como te olham, insultam e cospem em você, as pessoas tentam fazer com que as odeie, tirando-lhe as coisas que mais ama. – fala Charles

- Vai deixar? – pergunta Charles

- Não digo que a vida não é dura como é, mas não os pode deixar ganhar. – diz Charles

- Deixe-me em paz. – grita Lewellen

- Não pode deixa que roubem o seu espírito. – fala Charles

Bom concluímos ai que as “picadas” são a nossa iniciação, mas temos que enfrentá-las, não podemos deixar que as “picadas” provocadas pelas pessoas e suas ações para conosco matem o nosso espírito. Não podemos deixar que isso aconteça, temos que transmutar o veneno, concluindo assim a iniciação e porque não talvez o rito de passagem de Lewellen a idade adulta e a sua transformação em mulher.

Lewellen então aceita ir cantar a música de Elvis, aquela música que ela sempre cantava, para Charles e seus amigos de banda, e nesta cena vemos Lewellen dizer que não conseguia dançar e cantar mais, o que pode ser indicativo de que ela tenha superado as coisas de antes, as coisas de criança, agora como uma mulher não consegue mais fazer essas coisas. Mais uma vez, Charles em sua sabedoria a aconselha dizendo que ela não precisa dançar, e que se ela procurar nas profundezas do seu ser a música vai estar lá, o que é psicologicamente certo, a questão da castração do comportamento infantil na passagem para a vida adulta, não precisamos deixar de ser criança totalmente para sermos adultos, e que lá no fundo nós podemos fazer uso dos comportamentos e fantasias de outrora para continuarmos, obviamente com a visão apurada de uma adulto desta vez, e então Lewellen começa a cantar, uma canção que tem tudo a ver com a trajetória dela no filme, que diz assim:

“Você é um cão de caça chorando o tempo todo, você nunca pegou um coelho, e não é amigo meu. Você não passa de um cão de caça chorando o tempo todo, você nunca pegou um coelho e você não é amigo meu. ... Quando disseram que não tinha classe, mas foi apenas mentira. Você nunca pegou um coelho e não é amigo meu.”

É Lewellen colocando para fora o sofrimento causado por aquele que ela acreditava ser o seu melhor amigo, e não só isso, mas de maneira mais profunda podemos dizer que os sofrimentos dos homens normalmente são causados por aqueles que julgamos ser nossos amigos ou as pessoas mais próximas de nós.

Basicamente é isso, aconselho demais o filme, apesar de ser um drama é gostoso de assistir, tem uma trilha bacana, uma fotografia agradável. É um bom programa para um fim de semana à noite, deitado na cama. As mulheres principalmente vão gostar mais do filme, devido o roteiro ser escrito por uma mulher e por se tratar de todo esse processo de iniciação de uma menina, criando assim uma maior identificação com essa parcela do público, mas também para os marmanjos que tem alguma sensibilidade e nenhum preconceito com esse tipo de narrativa, mas para os brutamontes também tem coisas que possam lhes agradar, tem pra todos os gostos. E mérito total para a roteirista e diretora, por sua sensibilidade e apuro em construir símbolos tão fortes.



Ficha Técnica:

Título Original: Hounddog realnost / País de Origem: USA / Gênero: Drama
Tempo de Duração: 100 minutos / Ano de Lançamento: 2007
Estúdio/Distrib.: Deerjen Films / Direção: Deborah Kampmeier

Elenco:

Dakota Fanning - Lewellen / Isabelle Fuhrman - Grasshopper / Cody Hanford - Buddy
Piper Laurie - Grammie / David Morse - Daddy / Afemo Omilami - Charles
Ryan Pelton - Elvis Presley / Ron Prather - Truckdriver / Christoph Sanders - Wooden's Boy
Jill Scott - Big moma thornton / Frank Hoyt Taylor - Doctor / Jody Thompson - Preacher
Robin Wright Penn - Stranger Lady

Sinopse:

No final dos anos 50, no sul dos Estados Unidos, Lewellen (Dakota Fanning) uma garota precoce e perturbada encontra nas músicas de Elvis Presley uma forma de superar o traumas de sua vida.

A Estrada (The Road) - 2009



Antes de qualquer comentário farei algumas recomendações. Não aconselho esse filme para ninguém que seja impressionável demais e que tenha tendências a absorver o conteúdo das histórias pois, pelo menos para mim, esse filme é como ser espancado.

O Filme não tem crédito inicial, só o nome do filme, então não tem o que ser dito a respeito.

A capa é bem construída, toda em tons de cinza, mostrando os dois personagens principais sujos e caminhando com um fundo desfocado, cumpre o seu papel de mostrar a desolação e construir o conceito da caminhada dos personagens pela tal estrada do título, no futuro pós apocalíptico da história.

Trilha sonora bem arranjada para o tema, composta de sintetizadores, criando um ar melancólico para as cenas, para quem gosta de saber mais sobre os responsáveis pela trilha sonora dos filmes, o responsável pela composição é o já conhecido e parceiro de Hillcoat, o polêmico e australiano Nick Cave, responsável pelo roteiro de um outro filme dirigido por Hillcoat, “A PROPOSTA”.

Direção (John Hillcoat) segura, e muito bem conduzida, conseguindo transpor o clima de desolação exigido pelo roteiro. O diretor de fotografia soube escolher muito bem a fotografia do filme, em um tom quase monocromático, vez ou outra no decorrer do filme podemos ver alguns momentos de extremo contraste, como na cena de um riacho filmado de cima de uma ponte e podemos perceber a água com uma coloração quase verde-limão, e algumas cenas são muito bem construídas, quase poéticas, acompanhando o roteiro (Comac McCarthy e Joe Penhall).

O filme ainda conta com a atuação de bons atores. Viggo Mortensen conseguiu captar bem o espírito de seu personagem, Kodi Smit-McPhee por ser uma criança interpretando um papel tão denso se saiu muito bem, certamente associado ao seu talento a direção deve ter ajudado muito, e Charlize Theron que tem um participação modesta esta bem também, como sempre. Os outros atores cumprem os seus poucos momentos com maestria, destacando o ator negro que aparece quase no final, que consegue passar uma sensação de desespero convincente.

Esse filme, na minha opinião, é excelente! Daria para escrever páginas de reflexões sobre ele, então irei fazer algumas que eu achei que poderiam ter algo de valioso. Começando por uma comparação aos filmes do gênero, nos últimos anos houveram vários filmes catástrofes em que acontecem se não o fim do mundo uma parcial destruição do mesmo, seja lá de que maneira for, mas o grande problema desses filmes é que eles não convencem, focam demais na destruição visceral a ponto de cometer coisas absurda como no 2012 em que está ocorrendo um terremoto gigantesco a ponto de afundar a cidade inteira, e o personagem de John Cusak atravessa a cidade dirigindo uma limusine com a sua família. Primeiro, o carro nem ia conseguir andar com tal intensidade, e outra coisa que simplesmente mostra a falta de competência desses diretores, o clima do filme não convence que está acontecendo uma catástrofe dessas proporções, onde que um ser humano ia ver tudo indo pelos ares, prédio, cidade, e fica fazendo piadinhas... não cola. Você não tem uma sensação real de calamidade, e eu vejo várias pessoas falando que esses filmes são excelentes, tá certo que gosto é gosto e cada um tem o seu.

Para quem não sabe, o roteiro é baseado no romance de Cormac McCarthy, vencedor do Pulitzer de 2007. Mesmo escritor de 'Onde os Fracos não Têm Vez'.

Então é nesse ponto do filme, o roteiro, que eu vou me ater, vou comentando e fazendo as reflexões que me vem à mente. O filme começa mostrando cenas de um casal alegre e feliz, em uma casa que parece ser de campo com flores e aquela sensação bucólica. De repente, corta para nos mostrar que essas imagens eram um sonho de um homem (Viggo Mortensen, não terá o nome dos personagem e sim o dos atores porque não se fala os nome no filme), e ai já em um ambiente exatamente oposto ao do início, um lugar escuro, sujo, sem cor, mesmo sendo o mesmo lugar do sonho, a casa do personagem de Viggo. Mostra que algo acontece, transformando o mundo no cenário apocalíptico que vemos no decorrer do filme, mas não apresenta um motivo e nem uma explicação, mas, no decorrer do filme vamos vendo algumas possibilidades sendo semi esclarecidas e até mesmo o porque o roteirista omite essa informação e não entra no mérito da questão como é de costume em filmes do gênero, mas no decorrer do comentário vou mostrando o porque eu acho isso e porque isso é tão interessante na construção do roteiro.

Estamos então neste mundo desolado, devastado por uma catástrofe, provavelmente de origem climática, em que praticamente toda a fauna e flora do planeta esta morta, o importante e o interessante do filme é exatamente a captação da atmosfera e da sensação que passa, de total desolação, tristeza, angustia e solidão, em que o mundo se transforma, e o roteiro não se perde em explicações que não importam mais, vão seguindo as conseqüências decorrentes, e a conseqüente transformação e jornada dos personagem seguindo essa estrada que provavelmente da nome ao filme.

Vou usar diálogos e pensamentos dos personagens para expor as minhas idéias e exemplificar ao invés de ficar contando o filme em seus pormenores. Então, pulando essas explicações, o personagem de Viggo Mortensen nos diz “Não tenho um calendário a anos”... “Cada dia é mais cinza do que o anterior. Está frio e ficando cada vez mais frio enquanto o mundo morre lentamente.”, só esse pequeno trecho já basta para imaginarmos o espírito que o diretor e roteirista querem nos passar.

Nisso, o filme vai mostrando os dois personagem principais seguindo por uma estrada, com narração em off, as reflexões do personagem de Viggo, em que ele apresenta a nova preocupação dos homens nesse cenário, que é a busca constante por comida e água, e num dado momento ele diz “Então começou o canibalismo, canibalismo é o grande medo.”, o medo do canibalismo é tão grande que sempre que há uma possibilidade deles encontrarem com alguém ou algum grupo de pessoas, o personagem de Viggo Mortensen já prepara o filho para o suicídio, que é outro tema recorrente no filme, mas depois chegamos lá. O que verdadeiramente podemos refletir sobre a questão do canibalismo e que aparece sutilmente no roteiro, é o despreparo do ser humano diante de uma situação tão trágica, já não basta o caos que se apresenta, ainda arrumam outras formas de terror, como a violência gratuita, o canibalismo, deflagrando assim o desespero e a falta de segurança do homem diante da morte iminente a ponto de deixar para trás toda a sua civilidade e humanidade e passar a predar os seus próprios.

Mas o homem não é capaz de produzir o terror somente em suas ações mais diretas, mas, também em forma de terror psicológico. No decorrer do filme vemos campos e paisagens decoradas com cabeças fincadas em estacas e uma placa que aparece escrito “Eis o vale do Massacre” Jeremias, 19:6, ou seja, apresentando para aqueles que estão chegando que ali é um local onde aconteceu um massacre e que você pode ser mais um. Como se os sobreviventes já não tivessem problemas suficientes para se preocupar.

O roteiro também nos mostra, de maneira sutil, como as nossas preocupações podem se alterar diante de determinadas situações como essa, e aquilo que antes era importante, passa a não ter mais importância alguma. Em uma das cenas, os personagens passam sobre várias notas de dólares que estavam em uma caixa sem dar a menor importância, se isso fosse antes do cataclisma, os dólares seriam o objeto mais cobiçado, mas os personagens estavam mais interessados em capturar insetos e o que mais fosse possível para comer e se aquecer. Vejo isso como uma crítica indireta ao capitalismo e ao consumo desenfreado proporcionado por sua política, talvez o roteirista esteja querendo nos dizer: “cuidado um dia isso (dinheiro) que damos tanta importância pode não ter importância nenhuma amanhã”.

Mostra também como o ser humano se esquece do passado e das coisas, a impermanência não só da vida física, mas como dos pensamentos e lembranças. Em suas reflexões o personagem de Viggo Mortensen diz “As vezes eu conto ao garoto velhas estórias de coragem e justiça. Elas são difíceis de lembrar.”, é difícil de lembrar e para o garoto que nem chegou a vive-las é quase impossível entender, assim como para nós de hoje, talvez seja difícil compreender os mitos e as lendas de civilizações passadas, porque a realidade já é outra e nós não vivenciamos tais coisas.

O roteiro usa de maneira inteligente o recurso de flashbacks para contar a história do personagem de Viggo Mortensen e nos apresentar a história ocorrida com a sua esposa. Esses flashbacks são apresentados em forma de sonhos do personagem, o que pode ser até simbólico. Em uma situação como essa, o máximo que se pode fazer é sonhar com o que teve antes, pois o tempo não volta atrás. O que é importante até mesmo para nós que não vivenciamos tal situação, pois um dia poderemos viver algo assim.

O filme continua seguindo os personagens pela sua jornada em busca do litoral. Em meio a sua jornada, nos apresenta suas personalidades e como as pessoas lidam, em suas diferentes maneiras, com os problemas. Mostra o personagem de Viggo Mortensen como um homem com grande força de vontade em sobreviver, determinado e bom. Mostra aqueles que cedem aos seus impulsos mais animalescos, os canibais e assassinos que vão se formando pelo caminho, e mostra também aqueles que não querem ser nem um e nem outro e preferem o suicídio, que é o caso de sua mulher Charlize Theron. Esse é um tema recorrente no filme, várias passagens mostram pessoas que se suicidaram, famílias inteiras. A própria jornada dos dois personagens, pai e filho, esta constantemente cercada pela iminência do suicídio. A respeito disso podemos destacar nas palavras da esposa o seguinte dialogo, em uma mesa de jantar logo quando ela toma a resolução dessa atitude, ela tenta convencê-lo de que essa é a melhor saída, mas o esposo diz a ela: “Mas nós temos que continuar sobrevivendo”, e ela responde: “É isso que você quer? Que sobrevivamos? Eu não quero sobreviver”, e por que disso, em uma cena anterior nesta mesma circunstancia ela diz “Que tipo de vida é essa.”, ou seja o máximo que se pode fazer é ir sobrevivendo, porque já não existe dignidade quase nenhuma, não existe brilho, nem cor, nem vontade de se viver em um mundo dessa maneira, e mas a frente vemos o filho dizer que pensava em morrer, o seu pai fala para ele não pensar nisso, e o garoto retruca dizendo que era inevitável, ele não conseguia parar de pensar naquilo, e como poderia parar de pensar, aonde quer que se vá o cenário só nos mostra desolação.

E isso é só mais um motivo para nos repensarmos a nossas atitudes e ações do dia-a-dia, meus amigos internautas, porque aquilo que nós parece estar ruim hoje, podem um dia ser muito pior e vamos ficar somente sonhando com aquilo que se passou.

E o filme continua por duas horas a nós expor todo esse panorama melancólico e desolador. Mas nem tudo é um mar de tristeza, e tem mesmo que em poucos momentos, mensagens positivas. Nas muitas vezes que o menino se mostra muito humano e sempre disposto a ajudar os outros, no momento em que eles acham um bunker cheio de comida, tomam banho quente e vivem por uns três dias uma vida mais digna e alegre com apenas coisas simples, comida e água, coisas que para nós hoje são consideradas banais, porque temos em abundância, mas pelo que tudo indica, não vai ser assim para sempre, e se não for com nós, os nossos filhos ou nossos netos e bisnetos podem se deparar com uma situação tipo essa. Na maioria das vezes, não paramos para pensar nisso, mantendo a nossa perspectiva de vida de maneira mesquinha, pensando somente no tempo em que decorre a nossa vida e nos esquecemos daqueles que nós mesmos deixamos aqui. Deixo aqui uma parte inspiradora do roteiro, em uma cena que o garoto questiona para seu pai se eles ainda são os mocinhos. O pai responde que sim e que “Temos que continuar carregando a chama”, e o garoto pergunta “Que chama?”, e o pai responde “A chama dentro de você”, ai vocês podem ter as suas interpretações pessoais sobre esse pequeno símbolo que o roteirista nos apresenta.

Mais uma coisa que eu achei muito bom no roteiro, e pra variar de maneira sutil, em uma das reflexões de Viggo, ele diz “Todo dia é uma mentira, estou morrendo lentamente.”, uma porque realmente ele estava doente, tuberculoso, eu acho, e realmente sabia que cedo ou tarde ia morrer, outra porque o próprio personagem vai morrendo internamente, ele vai cedendo as dificuldades e vai perdendo aos poucos a sua humanidade e talvez a chama da qual ele se refere, a ponto de negar comida a um velho e seu filho ter de implorar para que ele não deixasse um outro homem (o personagem negro quase no fim do filme) sem roupa no frio, mas que com certeza era bom de coração e havia deixado o garoto vivo, não o canibalizou. Em alguns momentos o garoto fica em dúvida e questiona a seu pai se eles ainda eram os caras bons, provavelmente já percebendo a transformação do pai.

E como não poderia deixar de ser, apresenta também alguma questão sobre a religião e a crença em um deus exterior, o que não me parece ser o escritor do livro e o roteirista um homem de todo cético, por outras referências, mas vou transpor um dialogo entre Viggo e um velho (Robert Duvall) que acham no caminho. Por influência do garoto, seu pai resolve dar alimento ao velho e seguirem juntos, mas durante a noite, em uma conversa surge a questão de Deus e ainda mais o que talvez seja a perda de esperança e da fé em uma situação dessas, também no diálogo ouvimos o velho dizer que o homem talvez tenha sido negligente e quem sabe até mesmo responsável por aquela situação, por sua mania de colocar panos quentes em tudo e fingir que não está vendo aquilo que está diante dos olhos dele. Segue-se então o dialogo:

- Sabia que isto estava vindo. Isto ou algo parecido, houveram avisos, alguns pensaram que era piada. Eu sempre acreditei. – Diz o velho.

- Tentou se preparar para isto? – Pergunta Virgo.

- O que você faria? Até se soubesse o que fazer não saberia como fazer. Imagine... que é o único sobrevivente. – Responde o velho.

- Como saberia que é o único sobrevivente? – Pergunta Virgo.

- Apenas saberia, eu acho – Responde o Velho.

- Talvez Deus saiba – Diz Virgo.

- Deus sabe o que? O que Deus saberia? O que Ele sabe? Se existe um Deus, a esta hora já teria dado as costas para nós. Quem criou a humanidade não a encontrará aqui. Não senhor. Então tenha cuidado, tenha cuidado. – Retruca o velho.

E ai já estamos quase no fim, não vou contar o final do filme porque ai já seria demais, só finalizo dizendo que pra mim é um filme que realmente passa a sensação do fim do mundo, ou pelo menos do iminente e possível quase fim do mundo, mas se não for o fim do mundo provavelmente é uma mudança de paradigma para aqueles que viveram o processo. Deixo também a dica para que assistam, apesar da sensação de melancolia e da tristeza que remete, pois nos faz refletir o que um dia pode nos vir acontecer, e o quanto nós devemos estar preparados para enfrentar as dificuldades, que não são somente físicas como os outros filmes mostram, mas talvez até mais psicológicas, pois o homem é um animal que ainda não aprendeu a usar e interagir com o que ele tem de melhor, que é a mente. E é essa mesma mente que faz com que ele percorra estradas maravilhosas, faz com que caminhe por estradas obscuras e tenebrosas da percepção e capacidades humanas. Parafrasendo algumas doutrinas espiritualistas “A MESMA LUZ QUE VEM PARA CLAREAR É A QUE PODE TE LEVAR PARA A ESCURIDÃO”.



Ficha Técnica:

Título no Brasil: A Estrada / Título Original: The Road / País de Origem: EUA 
Gênero: Aventura, Drama, Suspense / Tempo de Duração: 112 minutos 
Ano de Lançamento: 2009 / Site Oficial: http://www.theroad-movie.com 
Estúdio/Distrib.: Paris Filmes / Direção: John Hillcoat / Nota no IMDB: 7.9

Elenco:

Viggo Mortensen ... Man / Kodi Smit-McPhee ... Boy / Robert Duvall ... Old Man
Guy Pearce ... Veteran / Molly Parker ... Motherly Woman / Michael K. Williams ... The Thief
Garret Dillahunt ... Gang Member / Charlize Theron ... Woman / Bob Jennings ... Bearded Man
Agnes Herrmann ... Archer's Woman / Buddy Sosthand ... Archer / Kirk Brown ... Bearded Face
Jack Erdie ... Bearded Man #2 / David August Lindauer ... Man On Mattress
Gina Preciado ... Well Fed Woman / Mary Rawson ... Well Fed Woman #2
Jeremy Ambler ... Man In Cellar #1 / Chaz Moneypenny ... Man In Cellar #2
Kacey Byrne-Houser ... Woman In Cellar #2 / Brenna Roth ... Road Gang Member
Jarrod DiGiorgi ... Well Fed Man / Mark Tierno ... Baby Eater

Sinopse:

Um evento cataclísmico atingiu a terra, devastando-a por completo. Milhões de pessoas foram erradicadas por incêndios, inundações, a energia elétrica se acabou e outras morreram de fome e desespero. Um pai e seu filho resolvem partir em uma longa viagem pela América destruída, em direção ao oceano, em uma épica jornada de sobrevivência nesse mundo pós-apocalíptico. Os dois devem permanecer unidos, contando com uma imensa força de vontade que mantém suas esperanças vivas, não importa a qual custo, para enfrentar todos os obstáculos, desde as condições adversas de temperatura até uma gangue de caçadores canibais. Baseado no livro best-seller de Cormac McCarthy.

CQ (CQ) - 2001



Irei fazer o possível para colocar o máximo de comentários sobre os filmes europeus e de arte, eu gostando ou não, porque eu gostar ou não é uma opinião pessoal e o que não me agrada pode agradar outra pessoa. E, mesmo não gostando, vou tentar explorar o lado positivo do filme, porque todo filme, por pior que seja, tem um lado positivo e algo que se possa aproveitar. E porque eu não sou crítico de cinema e sim uma pessoa que pretende explorar as propostas dos produtores (no sentido de toda a equipe que realiza o filme, não só do produtor comercial) do filme e também por haver uma galera que tem um certo fascínio, me parece, por falar mal a ponto de fazer com que a maioria das coisas pareçam ser ruins e eu não concordo muito com isso.

Seguindo o proposto, vamos começar com a capa, que é muito boa, talvez a capa seja a melhor coisa do filme, no estilo dos pôsteres da década de 50, 60 e 70, a capa mostra a ilustração de uma mulher que por seus trajes já nos indica com o característico estilo dos quadrinhos, o que provavelmente pareça ser a heroína do filme, bem no estilo Barbarella e a roupa me lembra muito da Vampirella, gostei muito do nome do filme escrito em legras vermelhas atrás da ilustração, e a pergunta sobre a personagem, “Who is Dragonfly?”, já dando uma indicação do mistério que o filme vai desvendar.

Os créditos, também estão bem construídos com o conceito do filme, mostrando que a galera sabe conceituar, o que para mim é o maior trunfo do filme. Não é assim cheio de tecnologias, o que as pessoas acham hoje que qualidade está relacionada a utilização de tecnologia e efeitos, mas qualidade está mais associada a adequação no meu entender do que com a estética e a técnica de efeitos, portanto, os créditos foram muito bem feitos. Um fundo branco com a tipografia em preto, com o som ao fundo acompanhando como se estivesse sendo digitado nos computadores dos filmes antigos da década de 50 e 60, tipo Jornada nas Estrelas, e o efeito cascata com as letras dos nomes misturados destacando o nome do ator em negrito, muito bom, na alusão da criptografia e do segredo que deve estar escondido, nas letras embaralhadas.

Não sou ator e nem tenho muito conhecimento do assunto, sou somente admirador e na minha opinião, os atorem foram bem convincentes em suas atuações. Fazendo jus a isso, Jeremy Davies encarnou bem o seu papel, de cineasta introvertido e menos excêntrico do que de costume, Angela Lindvall que não sei dizer se não é boa atriz mesmo ou se soube encarnar o espírito da coisa, mas seja como for, acho que a intenção era essa mesmo, Billy Zane que aparece pouco, mas canastrão como sempre, o filme tem tudo a ver com ele, os demais atores fazem aparições esporádicas.

A trilha sonora é também adequada ao estilo. O velho e bom lisérgico rock psicodélico, e não poderia ser diferente já que o filme se passa em 1969, ápoca do auge da lisergia hippie, que a partir de meados da década de 70 ia começar a perder a sua força devido os problemas e o preconceito da sociedade para com esta sempre discriminada parcela da população, mas enfim, o que passou, passou.

Bom, o filme em si não me agrada muito não, mas vale-se da utilização do recurso da metalinguagem. Inicia mostrando um assessor de produção, que passa a registrar todas as horas possíveis do seu dia em vídeo, como se tivesse fazendo um diário, só que em vez de escrever, estava filmando, e ainda utilizando esse recurso, mostra a filmagem de um filme e a sucessão de diretores que vão assumindo este cargo, indicado para quem estuda o cinema, audiovisual e simpatizantes da sétima arte.

O que me chama mais atenção no filme é que ele mostra em primeiro lugar a forma caricatural de alguns elementos que compõem a produção de um filme, mostra um produtor de cinema italiano Enzo (Giancarlo Giannini), totalmente sem noção, que viaja na construção das histórias e está sempre fazendo com que os diretores acabem a história da maneira que ele julga melhor. Perseguindo uma história que já foi explorada mil vezes, tipo o ditado “em time que está ganhando não se mexe”, o que era comum na Itália da época em que o filme se passa e que parece, como podemos ver hoje, não mudou muito.

O filme explora também as personalidades dos diretores. Tem o diretor que fica enrolando em uma história na criação da obra perfeita com um fim que só ele entende (não sei porque mas me lembra UM HOMEM SÉRIO), o diretor megalomaníaco e muita vezes aclamado por suas idéias e seu jeito “artista de ser”, e por fim um diretor mais introvertido e com os seus complexos de cineasta mas que está sempre procurando o fim e a melhor conclusão para solucionar a obra, que no caso é o nosso protagonista.

Nesse ínterim, mostra algumas curiosidades de cenários e métodos de efeitos especiais, que eram utilizados na época em que se passa o filme, o que é muito bacana para as pessoas que buscam referencia e tem curiosidade em saber sobre esse tipo de coisa.

A história é uma ficção científica em que uma heroína Dragonfly (Angela Lindvall), tem que desmantelar em grupo de ativistas e guerrilheiros e recuperar uma arma super poderosa. O mais interessante e o que novamente me chamou atenção no filme é a construção das referencias, os guerrilheiros são comandados Mr. E (Billy Zane), um tipo que é ver e lembrar de Che Guevara, com naves espaciais e tipo a geografia de marte, tipo os filmes da década de 60 e 70, principalmente os italianos, que para quem acompanhou as pérolas produzidas por eles principalmente de terror, ficção e guerra, vão saber do que eu estou falando, junções das coisas mais absurdas possíveis, então dou todo o mérito para o filme na construção das referências.

A parte de produção dos cenários e figurino também foram muito bem feitos, com algumas salas com pinturas de formas geométricas e espirais, bem no estilo “Ácido” dos anos 60 e 70.

A situação vai se desenrolando em uma espiral de situações, e conflitos. Como por exemplo o conflito pessoal de Paul em tentar construir a sua obra pessoal e inovadora, o fim do seu relacionamento com sua namorada, a sua obsessão pela personagem principal do filme que está sendo filmado e por fim, o fato de ter que assumir a direção do filme. Vemos também a sucessão de diretores, o que vai mudando o desfecho da história, o que acaba por comprometer a integridade da história inicial e até mesmo das filmagens. Isso é importante e esclarece talvez muito das coisas que podiam acontecer naquela época pra se fazer tantas tranqueiras, nos apresenta as brigas entre diretores e produtores, e tudo que envolve fazer um filme.

Então o roteirista e também diretor (Roman Copolla), que já trabalhou em vários departamentos, como assistente de efeitos visuais, departamento de som, diretor assistente entre outros, constrói o filme todo em clichês dos filmes dos anos 60 e 70.

Concluindo, CQ é um filme que vale a pena se assistido, principalmente pelas pessoas da área de comunicação e artes visuais, pois tem boas referencias e construção. E após escrever estes comentários, estou até achando o filme um pouco melhor do que no início, e me sinto compelido a mudar de idéia. Então, é um bom filme. Não gosto muito pelo fato de não curtir muito essa onda retrô, mas gosto da construção da história e das referências, sem contar que me faz lembrar dos meus tempos de moleque, quando eu ficava assistindo os filmes trash.

Esse talvez seja um filme novo, bom de ver com os amigos de faculdade ou curso, no final de semana a tarde, quem sabe tomando uma cerveja ou quem sabe até mesmo um “Ácido” (desculpe, retire o que eu falei, isso é proibido no Brasil kkkkkk), pode ser uma diversão descompromissada e até instrutiva.


Ficha Técnica:

Título Original: CQ / País de Origem: USA/França / Gênero: Comédia, Ficção /
Tempo de Duração: 88 minutos / Ano de Lançamento: 2001 / Estúdio/Distrib.: United Artists
Direção: Roman Coppola / IMDb...6.6

Elenco:

Jeremy Davies...Paul / Angela Lindvall...Dragonfly e Valentine / Élodie Bouchez...Marlene
Gérard Depardieu...Andrezej / Giancarlo Giannini...Enzo / Massimo Ghini...Fabrizio
Jason Schwartzman...Felix DeMarco / Billy Zane...Mr. E / John Phillip Law...Chairman
Silvio Muccino...Pippo / Dean Stockwell...Dr. Ballard / Natalia Vodianova...Brigit
Bernard Verley...Voiceover Actor / L.M. Kit Carson...Fantasy Critic

Sinopse:

Paris, 1969. A rodagem de um filme de ficção científica passado no ano de 2001 está em risco. A obsessão do realizador pela sexy atriz turvou-lhe a visão e o filme não tem final. É então chamado um jovem americano para acabar o filme, o que se torna difícil quando também ele é seduzido pela protagonista.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Entre Irmãos (Brothers) - 2009




Vou fazer uma coisa interessante que normalmente não vejo nos outros blogs, uma vez que tenho formação acadêmica em Design Gráfico, irei, sempre que possível, comentar as capas dos DVDs, posters e créditos do filme. No filme Entre Irmãos o crédito inicial é padrão e bem comum como a maioria dos filmes, com tipografias brancas sem serifas, sobrepostas às filmagens. Com relação a capa eu gostei muito, pois gosto dessa coisa de usar o fundo branco, é bonito e chama a atenção para os demais elementos, e a idéia de colocar os três como se estivessem em fila, mostrando a relação entre os personagens principais. Só que mais próximo ao centro temos esse corte, que define também a divisão entre as personalidades dos dois irmãos e o interesse amoroso velado de um irmão com a esposa do outro, então a construção conceitual da capa tem o seu lugar.

Com relação as filmagens, não há nada de especial, mas um pouco melhor que o Triagem e O Mensageiro, com cortes mais dinâmicos e ângulos de filmagens mais explorados, mas nada surpreendente.

A trilha sonora deste eu já gostei, começa com um guitarra acústica, bem suave, com uma harmonia agradável, que acompanha os personagens, com músicas e composições bem escolhidas.

As atuações são muito boas, os atores cumprem os seus papéis. Tobey Maguire, que eu particularmente não gosto muito, até conseguiu segurar bem o papel, tendo uma consistência no aspecto transtornado que é exigido do personagem do meio do filme em diante. Jake Gyllenhall, que na minha opinião é um ótimo ator, não teve muita dificuldade já que é uma atuação que não exige tanto. Da mesma forma Natalie Portman executa bem o seu papel. Li em algum blog uma crítica com relação ao desempenho dela, considerando sua atuação como insossa, o que eu, particularmente, discordei, pois não é a atuação dela que é ruim, é porque o personagem exige isso e se ela cumpriu e conseguiu passar essa sensação, mérito total para ela.

Bom, o meu interesse em criar esse blog, não é somente contar a história ou falar de técnica, mesmo porque já existem vários que fazem isso, mas sim de comentar mais profundamente, observando o que o roteiro tem para apresentar em relação aos assuntos recorrentes do homem, sejam eles políticos, filosóficos, científicos e etc., dentro da minha capacidade e da minha opinião sobre os assuntos e desde que o filme apresente algo de válido a ser comentado.

Então, com relação a esse filme, não vou contar muito da história para mostrar a minha opinião, mas vou optar por colocar a sinopse neste caso. O Filme se inicia apresentando a normalidade dos personagens, cada um em suas vidas e individualidades, aproveitando para nos apresentar a personalidade de cada um. Grace Cahill (Natalie Portman) esposa de um soldado de guerra Sam Cahill (Tobey Maguire), é uma mulher cujos pais morreram, dona de casa e mãe de duas filhas, introspectiva e muito comedida em suas decisões e opiniões. Já o seu esposo é um homem mais decidido, com uma personalidade mais forte, mas também calmo, sem muitos problemas de personalidade, sendo o alicerce tanto da família constituída com essa mulher como da sua família de origem. O seu irmão Tommy Cahill (Jake Gyllenhal) já nos é apresentado no início do filme sendo liberado da prisão por assalto, é o garoto problema da família, propenso a desafiar e a expressar suas opiniões principalmente em se tratando de seu pai. Mas a despeito desse clima hostil , os irmãos são afetuosos um com o outro. Definido assim os três personagens principais da trama, já podemos perceber o clima de tensão que pode advir de três personalidades tão dispares.

Para quem não sabe, Entre Irmãos é uma refilmagem de um filme dinamarquês, que eu não assisti e também não sei se chegou a ser lançado no Brasil. Uma coisa que me chamou atenção no início do filme, foi alguns pequenos detalhes no roteiro (escrito par David Benioff, baseado em roteiro de Susanne Bier e Anders Thomas Jensen), que nos levam a algumas reflexões. Como por exemplo o fato de Sam fazer parte de uma família de tradição militar, seu pai é um militar, o que é questionado por Tommy e que um pouco mais a frente vamos vê-lo jogar na cara do pai, ser ele o responsável por Sam ter seguido a carreira militar. Ora, sendo os USA um país que sempre prezou pela política de incentivar a todos a servirem e protegerem o estilo de vida norte-americano, nos deixa implícito que nem sempre os jovens seguem a carreira militar por vontade própria, mas sim para cumprir a sua obrigação e influência junto à família, até mesmo para não se sentirem deslocados no contexto social/familiar. O que nesse caso fica claro nas opiniões do pai, que o considera melhor e tem maior ligação com Sam do que com Tommy. Também vemos em outra cena, uma visão que pode não ser muito dos norte-americanos em geral, mas o roteiro pode estar apontando para uma situação de desinformação, tanto do americano comum, mas também como ele continua levando a informação errada para a sua família, o que pode ser visto na cena em que vemos Tommy discutindo sobre seu irmão voltar para o campo de batalha, no caso aqui, para variar, o Afeganistão, e uma de suas sobrinhas lhe informa que eles vão para a guerra para atirar nos caras maus, e Tommy pergunta para ela, “Quem são os caras maus?”. E ela responde “são os homens de barba”, ou seja, uma pequena crítica que eu chamo de “Islamicofobia”, crescente desde o 11 de setembro, basta ter barba e cara de islâmico para serem considerados os “caras maus”.

Aqui, irei fazer uma comparação, muito embora não goste muito desse tipo de coisa, mas é inevitável. Não gostei e achei muito chato o filme Guerra ao Terror. São duas horas cansativas sem muita coisa a ser realmente assimilada nesse tempo todo, apesar de eu achar que estou até preparado para desarmar bombas, de tanto tempo que eu fiquei vendo no Guerra ao Terror. E em todo lugar eu ouvi pessoas falando bem sobre o filme, dizendo que acharam bom pois mostrou o vício da guerra, coisa até mesmo explícita no roteiro já que ele começa falando que “A Guerra é uma droga”, e leva mais de duas horas para confirmar isso, o que não tem nada de original, porque no Entre Irmãos e em vários outros filmes já existe essas argumentações. Na cena em que o personagem de Sam diz após saber que ele estava retornando para o Afeganistão, “Estranho... quase me sinto como se estivesse em casa”, e no início na cena da discussão na mesa do jantar Tommy fala com ele “Você adora aquilo lá”, e mais uma vez e similar ao que acontece no Guerra ao Terror, vemos uma cena em que o personagem de Sam se sente deslocado ao voltar para casa, tanto pelo trauma com talvez por esse mesmo motivo, de já estar viciado nessa coisa de ir para a guerra, de mudar a sua referência e por estar sempre retornando ao campo de batalha.

Dai para frente se desenvolve praticamente um triângulo de relações. Sam havia sido capturado e sofreu um trauma por ter sido obrigado a matar o seu amigo, outro soldado que foi capturado com ele no Afeganistão. Mais uma vez o roteiro nos apresenta algo para se refletir, a guerra é psicológica, com ferimentos que muitas vezes não são físicos. Não são partes de corpos quebrados, perfurados ou explodidos, mas sim do “espírito”, como no caso do personagem de Colin Farrel (Triagem). Sam é um homem durão e certo de si, mas diante das técnicas de tortura psicológica desmoronou, até mesmo por sua tendência de esconder-se por trás de uma suposta fortaleza pessoal, passando a se martirizar e a sofrer em silêncio o terror das lembranças do Afeganistão, ficando cada vez mais descontrolado, transformando em um homem paranóico e violento a ponto de deixar sua filha com medo dele, ao contrário do início da trama em que era um homem pacífico e calmo.

Neste ínterim o filme apresenta um romance, ou melhor, um interesse velado de Tommy para com a esposa de seu irmão. Interesse esse que já existia desde a adolescência, o que é cercado de clichês, mas a vida é cheia de clichês mesmo, não sei porque o povo tem tanta implicância com os clichês, então vemos a velha estórinha de Tommy se aproximando de suas sobrinhas, sendo bom, ajudando a cunhada, até dar o golpe final e conseguir um beijo em uma noite próximo a lareira.

Vemos então a desconstrução do que era no início, o irmão bonzinho e exemplar se tornando um problema crescente, e o problemático se tornando melhor, e a mulher sem mudanças é o centro do triangulo, por isso disse que é da personagem a apatia, pois ela está lá para que os dois irmãos que dão até nome ao título possam ser a trama central. Então fica aquela questão que novamente, de maneira sutil, o roteiro nos apresenta nas palavras do desafiador Tommy, “Para que?”, ou seja, se formos refletir, principalmente nós brasileiros, para quer ir para uma guerra defender com a vida o país? Um país que muitas vezes tem um governo opressor e explorador. Para privilegiar os interesses de alguns poucos homens inescrupulosos. Para manter a economia e o interesse de multinacionais e empresários milionários que não estão nem ai para a maioria das pessoas, faço minhas as palavras de Tommy “Para que?

Finalizando, já que falei muito, eu sou mil vezes mais esse filme do que o Guerra ao Terror e muitos outros por ai que se valem de pirotecnias, histórias mirabolantes de conspirações e cenas bem filmadas de homens em campos de batalha sendo retalhados, pois, mesmo não sendo um filme maravilhoso, possui várias situações paralelas e para o observador atento aproveita para inserir questões de reflexão como as que eu citei, fazendo uso do tempo que tem e não se delongando demasiadamente para expressar poucos argumentos.

Ficha Técnica

Título Original: Brothers / País de Origem: EUA / Gênero: Drama / Ano de Lançamento: 2009
Estúdio/Distrib.: Imagem Filmes / Direção: Jim Sheridan / Nota no IMDB: 7.6

Elenco

Natalie Portman ... Grace Cahill / Carey Mulligan ... Cassie Willis / Jake Gyllenhaal ... Tommy Cahill / Clifton Collins Jr. ... Major Cavazos / Tobey Maguire ... Sam Cahill / Mare Winningham ... Elsie / Bailee Madison ... Isabelle / Jenny Wade ... Tina / Patrick Flueger ... Joe Willis / Jason E. Hill ... Captain Sanderson / Luce Rains ... The Nose / Omid Abtahi ... Yusef / Rebecca Grant ... Nurse / Taylor Geare ... Maggie Cahill / Navid Negahban ... Murad / Arron Shiver ... A.J.

quarta-feira, 17 de março de 2010

O Mensageiro (The Messenger) - 2009



Meu comentário inicia-se com as filmagens, pois normalmente em filmes do gênero, as filmagens são, por padrão, sem muita trucagem ou malabarismo, até mesmo porque não se aplicaria. Manter um mínimo de consistência na filmagem é o suficiente, e no caso de O Mensageiro é o que acontece.

A trilha sonora do filme não influi muito, em alguns momentos o personagem de Ben Foster, ouve Rock. E a bem da verdade, eu não entendo muito bem o que acontece na cabeça dos diretores, pois sempre optam por esse tipo de trilha em filmes desse gênero, e que pra mim, causa um ruído meio incomodo e considero não ter absolutamente nada a ver com o tema. Principalmente no caso desse filme que está mais voltado para os aspectos humanos decorrentes do pano de fundo que é a guerra. Mas a trilha de Rock acontece em poucos momentos, então não chega a incomodar muito.

As atuações são boas, Wood Harrelson competente como sempre, e a dupla Ben Foster e Samantha Morton estão bem em seus respectivos papéis, com mais destaque para o primeiro, pois Samantha está meio apática e ela consegue ser melhor, mas também não é nada que atrapalha a ponto de ser ruim.

Uma coisa que normalmente é recorrente em filmes de arte, europeus, independentes e alternativos é a temática dos conflitos humanos, sejam eles com qualquer pano de fundo. Uma vez que são produções de menor orçamento, não se dedicam a investir na produção de pirotecnias e efeitos, então se dedicam mais ao aspecto de contar a história, e que por esse mesmo motivo, optam por explorar as relações humanas e os conflitos inerentes destas. Esse será basicamente um tema que vai permear o blog, já que a proposta é explorar esse tipo de cinema.

A história do filme é simples, um soldado americano Will (Ben Foster) retorna para sua casa após ferir-se no Iraque, e para cumprir o tempo que ainda lhe resta de serviço (3 meses) é remanejado para a divisão de notificação aos familiares do falecimento de militares no front. Para instruí-lo enviam um soldado mais velho e mais experiente Tony (Woody Harrelson), que lhe auxilia e ensina como deve se proceder nas diferentes situações. No princípio, Will considera a tarefa fácil, mesmo porque o personagem nos é apresentado como um jovem durão e convicto de sua postura, e, é apartir daí que surge a grande jogada do filme. A medida que ele realiza as comunicações do falecimento aos familiares, ele começa a perceber que as situações são muito difíceis de lidar e, a muralha que ele provavelmente acreditava ser, começa a desmoronar. E por causa disso, ele apresenta dificuldade em cumprir a missão, que considera ter se tornado mais difícil ainda devido o esquema e método de abordagem utilizado por seu instrutor e parceiro, e é desse aspecto que surge uma coisa a ser extraída do roteiro. Na guerra normalmente nos atemos aos mortos e nos conflitos daqueles que estão no campo de batalha e nos soldados, mas o roteiro nos mostra que não é bem assim, que a guerra ultrapassa as suas fronteiras, atingindo os familiares dos soldados e, conseqüentemente a sociedade em geral. Seja através dos pais, filhos e esposas dos soldados mortos, que na maioria dos casos, não conseguem lidar com a perda. É dessa forma que o roteiro nos mostra uma outra perspectiva da dimensão conflituosa e dos efeitos colaterais que uma guerra possui, e que muitas vezes passa despercebido por nós, observadores comuns e alheios a essa perspectiva.

Como no filme Triagem, existe uma disparidade entre os dois personagens centrais. Will é mais sério e introvertido e Tony é extrovertido e piadista. O que a princípio se constitui em um conflito entre os dois, já que Will não parece ter muita paciência com o seu parceiro, mas com o tempo, a situação vai se transformando e os dois começam a desenvolver uma grande amizade, chegando ao ponto de se confidenciar alguns segredos, e é daí que surge o segundo elemento de interesse na história, que é como pessoas que não estão envolvidas diretamente no campo de batalha se afetam. Ou seja, a guerra é algo que poderia ser descrita como epidêmica, basta somente estar próximo dos acontecimentos e dos fatos para que ela apresente os seus sintomas. E devido os dois personagens estarem sempre lidando com os conflitos familiares e não poderem demonstrar suas fraquezas perante essas pessoas, que eles vão desenvolvendo os seus conflitos internos que vem à tona nos momentos de folga. E é por isso que assistimos a amizade entre Will e Tony ir se desenvolvendo, e apesar de ser uma amizade cheia de altos e baixos, os personagens vão se acertando, e nós espectadores vamos conhecendo um pouco mais os personagens e suas histórias individuais.

O Mensageiro não chega a ser um filme brilhante, mas é um filme indicado para quem quer ter uma visão sobre a outro lado da guerra e das suas conseqüências. Mas não é de forma alguma um filme para quem desejam ver tiros e histórias mirabolantes cheias de conspirações governamentais. Mais uma vez destaco o filme para estudantes de psicologia e comportamento humano. E também não aconselho a convidar a(o) namorada(o) para uma noite romântica assistindo esse filme, apesar deu ter visto com a minha namorada, mas tem opções melhores neste caso.



Ficha Técnica
Direção: Oren Moverman / Roteiro: Oren Moverman, Alessandro Camon / Gênero: Drama/Guerra/Romance / Origem: Estados Unidos / Duração: 105 minutos
Nota no IMDB: 7.7


Elenco
Ben Foster ... Staff Sergeant Will Montgomery / Jena Malone ... Kelly
Eamonn Walker ... Colonel Stuart Dorsett / Woody Harrelson ... Captain Tony Stone
Yaya DaCosta ... Monica / Washington Portia ... Mrs. Burrell
Lisa Joyce ... Emily / Steve Buscemi ... Dale Martin / Peter Francis James ... Dr. Grosso
Samantha Morton ... Olivia Pitterson / Paul Diomede ... Motorcycle Cop / Jahmir Duran-Abreau 
Matt Pitterson