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domingo, 28 de março de 2010

A Estrada (The Road) - 2009



Antes de qualquer comentário farei algumas recomendações. Não aconselho esse filme para ninguém que seja impressionável demais e que tenha tendências a absorver o conteúdo das histórias pois, pelo menos para mim, esse filme é como ser espancado.

O Filme não tem crédito inicial, só o nome do filme, então não tem o que ser dito a respeito.

A capa é bem construída, toda em tons de cinza, mostrando os dois personagens principais sujos e caminhando com um fundo desfocado, cumpre o seu papel de mostrar a desolação e construir o conceito da caminhada dos personagens pela tal estrada do título, no futuro pós apocalíptico da história.

Trilha sonora bem arranjada para o tema, composta de sintetizadores, criando um ar melancólico para as cenas, para quem gosta de saber mais sobre os responsáveis pela trilha sonora dos filmes, o responsável pela composição é o já conhecido e parceiro de Hillcoat, o polêmico e australiano Nick Cave, responsável pelo roteiro de um outro filme dirigido por Hillcoat, “A PROPOSTA”.

Direção (John Hillcoat) segura, e muito bem conduzida, conseguindo transpor o clima de desolação exigido pelo roteiro. O diretor de fotografia soube escolher muito bem a fotografia do filme, em um tom quase monocromático, vez ou outra no decorrer do filme podemos ver alguns momentos de extremo contraste, como na cena de um riacho filmado de cima de uma ponte e podemos perceber a água com uma coloração quase verde-limão, e algumas cenas são muito bem construídas, quase poéticas, acompanhando o roteiro (Comac McCarthy e Joe Penhall).

O filme ainda conta com a atuação de bons atores. Viggo Mortensen conseguiu captar bem o espírito de seu personagem, Kodi Smit-McPhee por ser uma criança interpretando um papel tão denso se saiu muito bem, certamente associado ao seu talento a direção deve ter ajudado muito, e Charlize Theron que tem um participação modesta esta bem também, como sempre. Os outros atores cumprem os seus poucos momentos com maestria, destacando o ator negro que aparece quase no final, que consegue passar uma sensação de desespero convincente.

Esse filme, na minha opinião, é excelente! Daria para escrever páginas de reflexões sobre ele, então irei fazer algumas que eu achei que poderiam ter algo de valioso. Começando por uma comparação aos filmes do gênero, nos últimos anos houveram vários filmes catástrofes em que acontecem se não o fim do mundo uma parcial destruição do mesmo, seja lá de que maneira for, mas o grande problema desses filmes é que eles não convencem, focam demais na destruição visceral a ponto de cometer coisas absurda como no 2012 em que está ocorrendo um terremoto gigantesco a ponto de afundar a cidade inteira, e o personagem de John Cusak atravessa a cidade dirigindo uma limusine com a sua família. Primeiro, o carro nem ia conseguir andar com tal intensidade, e outra coisa que simplesmente mostra a falta de competência desses diretores, o clima do filme não convence que está acontecendo uma catástrofe dessas proporções, onde que um ser humano ia ver tudo indo pelos ares, prédio, cidade, e fica fazendo piadinhas... não cola. Você não tem uma sensação real de calamidade, e eu vejo várias pessoas falando que esses filmes são excelentes, tá certo que gosto é gosto e cada um tem o seu.

Para quem não sabe, o roteiro é baseado no romance de Cormac McCarthy, vencedor do Pulitzer de 2007. Mesmo escritor de 'Onde os Fracos não Têm Vez'.

Então é nesse ponto do filme, o roteiro, que eu vou me ater, vou comentando e fazendo as reflexões que me vem à mente. O filme começa mostrando cenas de um casal alegre e feliz, em uma casa que parece ser de campo com flores e aquela sensação bucólica. De repente, corta para nos mostrar que essas imagens eram um sonho de um homem (Viggo Mortensen, não terá o nome dos personagem e sim o dos atores porque não se fala os nome no filme), e ai já em um ambiente exatamente oposto ao do início, um lugar escuro, sujo, sem cor, mesmo sendo o mesmo lugar do sonho, a casa do personagem de Viggo. Mostra que algo acontece, transformando o mundo no cenário apocalíptico que vemos no decorrer do filme, mas não apresenta um motivo e nem uma explicação, mas, no decorrer do filme vamos vendo algumas possibilidades sendo semi esclarecidas e até mesmo o porque o roteirista omite essa informação e não entra no mérito da questão como é de costume em filmes do gênero, mas no decorrer do comentário vou mostrando o porque eu acho isso e porque isso é tão interessante na construção do roteiro.

Estamos então neste mundo desolado, devastado por uma catástrofe, provavelmente de origem climática, em que praticamente toda a fauna e flora do planeta esta morta, o importante e o interessante do filme é exatamente a captação da atmosfera e da sensação que passa, de total desolação, tristeza, angustia e solidão, em que o mundo se transforma, e o roteiro não se perde em explicações que não importam mais, vão seguindo as conseqüências decorrentes, e a conseqüente transformação e jornada dos personagem seguindo essa estrada que provavelmente da nome ao filme.

Vou usar diálogos e pensamentos dos personagens para expor as minhas idéias e exemplificar ao invés de ficar contando o filme em seus pormenores. Então, pulando essas explicações, o personagem de Viggo Mortensen nos diz “Não tenho um calendário a anos”... “Cada dia é mais cinza do que o anterior. Está frio e ficando cada vez mais frio enquanto o mundo morre lentamente.”, só esse pequeno trecho já basta para imaginarmos o espírito que o diretor e roteirista querem nos passar.

Nisso, o filme vai mostrando os dois personagem principais seguindo por uma estrada, com narração em off, as reflexões do personagem de Viggo, em que ele apresenta a nova preocupação dos homens nesse cenário, que é a busca constante por comida e água, e num dado momento ele diz “Então começou o canibalismo, canibalismo é o grande medo.”, o medo do canibalismo é tão grande que sempre que há uma possibilidade deles encontrarem com alguém ou algum grupo de pessoas, o personagem de Viggo Mortensen já prepara o filho para o suicídio, que é outro tema recorrente no filme, mas depois chegamos lá. O que verdadeiramente podemos refletir sobre a questão do canibalismo e que aparece sutilmente no roteiro, é o despreparo do ser humano diante de uma situação tão trágica, já não basta o caos que se apresenta, ainda arrumam outras formas de terror, como a violência gratuita, o canibalismo, deflagrando assim o desespero e a falta de segurança do homem diante da morte iminente a ponto de deixar para trás toda a sua civilidade e humanidade e passar a predar os seus próprios.

Mas o homem não é capaz de produzir o terror somente em suas ações mais diretas, mas, também em forma de terror psicológico. No decorrer do filme vemos campos e paisagens decoradas com cabeças fincadas em estacas e uma placa que aparece escrito “Eis o vale do Massacre” Jeremias, 19:6, ou seja, apresentando para aqueles que estão chegando que ali é um local onde aconteceu um massacre e que você pode ser mais um. Como se os sobreviventes já não tivessem problemas suficientes para se preocupar.

O roteiro também nos mostra, de maneira sutil, como as nossas preocupações podem se alterar diante de determinadas situações como essa, e aquilo que antes era importante, passa a não ter mais importância alguma. Em uma das cenas, os personagens passam sobre várias notas de dólares que estavam em uma caixa sem dar a menor importância, se isso fosse antes do cataclisma, os dólares seriam o objeto mais cobiçado, mas os personagens estavam mais interessados em capturar insetos e o que mais fosse possível para comer e se aquecer. Vejo isso como uma crítica indireta ao capitalismo e ao consumo desenfreado proporcionado por sua política, talvez o roteirista esteja querendo nos dizer: “cuidado um dia isso (dinheiro) que damos tanta importância pode não ter importância nenhuma amanhã”.

Mostra também como o ser humano se esquece do passado e das coisas, a impermanência não só da vida física, mas como dos pensamentos e lembranças. Em suas reflexões o personagem de Viggo Mortensen diz “As vezes eu conto ao garoto velhas estórias de coragem e justiça. Elas são difíceis de lembrar.”, é difícil de lembrar e para o garoto que nem chegou a vive-las é quase impossível entender, assim como para nós de hoje, talvez seja difícil compreender os mitos e as lendas de civilizações passadas, porque a realidade já é outra e nós não vivenciamos tais coisas.

O roteiro usa de maneira inteligente o recurso de flashbacks para contar a história do personagem de Viggo Mortensen e nos apresentar a história ocorrida com a sua esposa. Esses flashbacks são apresentados em forma de sonhos do personagem, o que pode ser até simbólico. Em uma situação como essa, o máximo que se pode fazer é sonhar com o que teve antes, pois o tempo não volta atrás. O que é importante até mesmo para nós que não vivenciamos tal situação, pois um dia poderemos viver algo assim.

O filme continua seguindo os personagens pela sua jornada em busca do litoral. Em meio a sua jornada, nos apresenta suas personalidades e como as pessoas lidam, em suas diferentes maneiras, com os problemas. Mostra o personagem de Viggo Mortensen como um homem com grande força de vontade em sobreviver, determinado e bom. Mostra aqueles que cedem aos seus impulsos mais animalescos, os canibais e assassinos que vão se formando pelo caminho, e mostra também aqueles que não querem ser nem um e nem outro e preferem o suicídio, que é o caso de sua mulher Charlize Theron. Esse é um tema recorrente no filme, várias passagens mostram pessoas que se suicidaram, famílias inteiras. A própria jornada dos dois personagens, pai e filho, esta constantemente cercada pela iminência do suicídio. A respeito disso podemos destacar nas palavras da esposa o seguinte dialogo, em uma mesa de jantar logo quando ela toma a resolução dessa atitude, ela tenta convencê-lo de que essa é a melhor saída, mas o esposo diz a ela: “Mas nós temos que continuar sobrevivendo”, e ela responde: “É isso que você quer? Que sobrevivamos? Eu não quero sobreviver”, e por que disso, em uma cena anterior nesta mesma circunstancia ela diz “Que tipo de vida é essa.”, ou seja o máximo que se pode fazer é ir sobrevivendo, porque já não existe dignidade quase nenhuma, não existe brilho, nem cor, nem vontade de se viver em um mundo dessa maneira, e mas a frente vemos o filho dizer que pensava em morrer, o seu pai fala para ele não pensar nisso, e o garoto retruca dizendo que era inevitável, ele não conseguia parar de pensar naquilo, e como poderia parar de pensar, aonde quer que se vá o cenário só nos mostra desolação.

E isso é só mais um motivo para nos repensarmos a nossas atitudes e ações do dia-a-dia, meus amigos internautas, porque aquilo que nós parece estar ruim hoje, podem um dia ser muito pior e vamos ficar somente sonhando com aquilo que se passou.

E o filme continua por duas horas a nós expor todo esse panorama melancólico e desolador. Mas nem tudo é um mar de tristeza, e tem mesmo que em poucos momentos, mensagens positivas. Nas muitas vezes que o menino se mostra muito humano e sempre disposto a ajudar os outros, no momento em que eles acham um bunker cheio de comida, tomam banho quente e vivem por uns três dias uma vida mais digna e alegre com apenas coisas simples, comida e água, coisas que para nós hoje são consideradas banais, porque temos em abundância, mas pelo que tudo indica, não vai ser assim para sempre, e se não for com nós, os nossos filhos ou nossos netos e bisnetos podem se deparar com uma situação tipo essa. Na maioria das vezes, não paramos para pensar nisso, mantendo a nossa perspectiva de vida de maneira mesquinha, pensando somente no tempo em que decorre a nossa vida e nos esquecemos daqueles que nós mesmos deixamos aqui. Deixo aqui uma parte inspiradora do roteiro, em uma cena que o garoto questiona para seu pai se eles ainda são os mocinhos. O pai responde que sim e que “Temos que continuar carregando a chama”, e o garoto pergunta “Que chama?”, e o pai responde “A chama dentro de você”, ai vocês podem ter as suas interpretações pessoais sobre esse pequeno símbolo que o roteirista nos apresenta.

Mais uma coisa que eu achei muito bom no roteiro, e pra variar de maneira sutil, em uma das reflexões de Viggo, ele diz “Todo dia é uma mentira, estou morrendo lentamente.”, uma porque realmente ele estava doente, tuberculoso, eu acho, e realmente sabia que cedo ou tarde ia morrer, outra porque o próprio personagem vai morrendo internamente, ele vai cedendo as dificuldades e vai perdendo aos poucos a sua humanidade e talvez a chama da qual ele se refere, a ponto de negar comida a um velho e seu filho ter de implorar para que ele não deixasse um outro homem (o personagem negro quase no fim do filme) sem roupa no frio, mas que com certeza era bom de coração e havia deixado o garoto vivo, não o canibalizou. Em alguns momentos o garoto fica em dúvida e questiona a seu pai se eles ainda eram os caras bons, provavelmente já percebendo a transformação do pai.

E como não poderia deixar de ser, apresenta também alguma questão sobre a religião e a crença em um deus exterior, o que não me parece ser o escritor do livro e o roteirista um homem de todo cético, por outras referências, mas vou transpor um dialogo entre Viggo e um velho (Robert Duvall) que acham no caminho. Por influência do garoto, seu pai resolve dar alimento ao velho e seguirem juntos, mas durante a noite, em uma conversa surge a questão de Deus e ainda mais o que talvez seja a perda de esperança e da fé em uma situação dessas, também no diálogo ouvimos o velho dizer que o homem talvez tenha sido negligente e quem sabe até mesmo responsável por aquela situação, por sua mania de colocar panos quentes em tudo e fingir que não está vendo aquilo que está diante dos olhos dele. Segue-se então o dialogo:

- Sabia que isto estava vindo. Isto ou algo parecido, houveram avisos, alguns pensaram que era piada. Eu sempre acreditei. – Diz o velho.

- Tentou se preparar para isto? – Pergunta Virgo.

- O que você faria? Até se soubesse o que fazer não saberia como fazer. Imagine... que é o único sobrevivente. – Responde o velho.

- Como saberia que é o único sobrevivente? – Pergunta Virgo.

- Apenas saberia, eu acho – Responde o Velho.

- Talvez Deus saiba – Diz Virgo.

- Deus sabe o que? O que Deus saberia? O que Ele sabe? Se existe um Deus, a esta hora já teria dado as costas para nós. Quem criou a humanidade não a encontrará aqui. Não senhor. Então tenha cuidado, tenha cuidado. – Retruca o velho.

E ai já estamos quase no fim, não vou contar o final do filme porque ai já seria demais, só finalizo dizendo que pra mim é um filme que realmente passa a sensação do fim do mundo, ou pelo menos do iminente e possível quase fim do mundo, mas se não for o fim do mundo provavelmente é uma mudança de paradigma para aqueles que viveram o processo. Deixo também a dica para que assistam, apesar da sensação de melancolia e da tristeza que remete, pois nos faz refletir o que um dia pode nos vir acontecer, e o quanto nós devemos estar preparados para enfrentar as dificuldades, que não são somente físicas como os outros filmes mostram, mas talvez até mais psicológicas, pois o homem é um animal que ainda não aprendeu a usar e interagir com o que ele tem de melhor, que é a mente. E é essa mesma mente que faz com que ele percorra estradas maravilhosas, faz com que caminhe por estradas obscuras e tenebrosas da percepção e capacidades humanas. Parafrasendo algumas doutrinas espiritualistas “A MESMA LUZ QUE VEM PARA CLAREAR É A QUE PODE TE LEVAR PARA A ESCURIDÃO”.



Ficha Técnica:

Título no Brasil: A Estrada / Título Original: The Road / País de Origem: EUA 
Gênero: Aventura, Drama, Suspense / Tempo de Duração: 112 minutos 
Ano de Lançamento: 2009 / Site Oficial: http://www.theroad-movie.com 
Estúdio/Distrib.: Paris Filmes / Direção: John Hillcoat / Nota no IMDB: 7.9

Elenco:

Viggo Mortensen ... Man / Kodi Smit-McPhee ... Boy / Robert Duvall ... Old Man
Guy Pearce ... Veteran / Molly Parker ... Motherly Woman / Michael K. Williams ... The Thief
Garret Dillahunt ... Gang Member / Charlize Theron ... Woman / Bob Jennings ... Bearded Man
Agnes Herrmann ... Archer's Woman / Buddy Sosthand ... Archer / Kirk Brown ... Bearded Face
Jack Erdie ... Bearded Man #2 / David August Lindauer ... Man On Mattress
Gina Preciado ... Well Fed Woman / Mary Rawson ... Well Fed Woman #2
Jeremy Ambler ... Man In Cellar #1 / Chaz Moneypenny ... Man In Cellar #2
Kacey Byrne-Houser ... Woman In Cellar #2 / Brenna Roth ... Road Gang Member
Jarrod DiGiorgi ... Well Fed Man / Mark Tierno ... Baby Eater

Sinopse:

Um evento cataclísmico atingiu a terra, devastando-a por completo. Milhões de pessoas foram erradicadas por incêndios, inundações, a energia elétrica se acabou e outras morreram de fome e desespero. Um pai e seu filho resolvem partir em uma longa viagem pela América destruída, em direção ao oceano, em uma épica jornada de sobrevivência nesse mundo pós-apocalíptico. Os dois devem permanecer unidos, contando com uma imensa força de vontade que mantém suas esperanças vivas, não importa a qual custo, para enfrentar todos os obstáculos, desde as condições adversas de temperatura até uma gangue de caçadores canibais. Baseado no livro best-seller de Cormac McCarthy.

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