Blog sobre cinema e o universo cinematográfico, principalmente o cinema europeu, asiático e independente, optando por abordar os filmes que não fazem parte do circuito conhecido como comercial.



domingo, 28 de março de 2010

Hounddog (Hounddog) - 2007



Começando pela capa como é de costume. Ao meu ver não tem muito o que comentar, montagem com cenas do filme, a minha interpretação pessoal da construção conceitual, é mostrar na imagem maior a personagem principal com uma cobra (filhote no caso), no filme a cobra me parece ser uma metáfora (leia até o final para saber qual é a simbologia), então essa garota em relação a cobra está em uma posição de domínio e superioridade. A foto inferior me lembra uma cena de um casal adulto, porém nitidamente vemos que são duas crianças, na cena que originou esta foto, vemos a menina se vestindo com as roupas da tia, o que pode simbolizar a menina-mulher ou a sua busca e transformação em mulher. Achei de bom gosto a organização da tipografia e o tipo de tipografia usada no título, não tem como fugir do conceito do filme porque a capa foi criada com imagens do mesmo.

Crédito normais. O padrão, tipografia sem serifa na cor branca, sobreposta as filmagens do filme, espero que as pessoas não achem chato esse tipo de comentário, mas é só para constar que estou atento, para não pensarem que eu esqueci.

Trilha sonora, excelente, um blues de primeira. Eu particularmente gosto, e totalmente a ver com o filme, até mesmo porque é apresentado no filme essa questão da música branca e negra.

Boas atuações. O filme inteiro gira em torno da personagem de Dakota Fanning, o que ela soube fazer muito bem. É uma garota que sempre teve boas atuações. Robin Wright Penn, que é especializada nesse tipo de papel e vive aparecendo em filmes com esses tipos melodramáticos e fragilizados. David Morse consegue fazer a construção do homem que sofre um acidente e fica meio molóide. Cody Hanford o amigo de Dakota segura bem o papel. Piper Laurie que interpreta a vó de Lewellen está magnífica, sendo talvez a única personagem que com suas ações, tem um maior controle sobre a personalidade da garota. Por fim o ator negro Afemo Omilami também está confortável no papel, nada espetacular, mas nada péssimo também.

O filme se passa nos final dos anos 50, no Sul dos Estados Unidos, eu particularmente gosto muito desse tipo de filme, que envolve o jazz, os negros norte-americanos e as pessoas do campo.

Praticamente todo o filme se passa em uma pequena área no campo entre um rio, a casa da personagem principal e as imediações. Essa sensação bucólica, campo e natureza é uma coisa que eu gosto e me delício em ver nos filmes, ainda mais pelo fato de ter uma fotografia muito boa, onde há uma exposição maior do amarelo. As cenas ficaram com uma tonalidade muito bonita e agradável.

A história é sobre uma garota precoce que é fã do cantor Elvis Presley, e em sua jornada vai descobrindo as dificuldades que a cercam. Básico em todo filme de drama, já vimos isso em um zilhão de filmes, mas por mais estranho que parece, nós, ou pelo menos eu, ainda gosto de ver.

Mas como sempre tudo tem algo de bom e nesse filme não seria diferente, a primeira delas é o choque de culturas, os negros e os brancos. Já no início do filme vemos Lewellen (Dakota Fanning) cantando uma música do Elvis em cima de uma árvore, música essa que ela canta quase toda hora no filme, já que é a arma que ela usa para fugir dos problemas e conflitos do dia-a-dia, nesta cena vemos Charles (Afemo Omilami), travar o seguinte diálogo com ela:

- Menina, vai cair dessa árvore e quebrar as costas. - Charles

- Quanto mais devo pedir para não cantar mais nada do Elvis? Quando vai cantar um “Blues” de verdade? - Charles

- Não posso cantar Blues. – responde Lewellen

- Porque não? – pergunta Charles

- Não sou negra. – responde Lewellen

- Não é? – Charles

- Não, não sou – fala Lewellen

- Pensei que fosse – diz Charles

- O Elvis é um cara branco cantando músicas de negros. Por isso é uma garota branca cantando músicas de negros. Só quero que saiba que há mais coisas no mundo além de Elvis.

Com se existisse realmente uma música para branco e para negro. Musica é música. Via de regra, são as pessoas que constroem as propagandas e inserem estas idéias através das mesmas. Então temos essa separação racial, já deflagrando ai o modo de vida dos negros e brancos da época em que se passa o filme. E parece que não mudou muito até hoje, da mesma maneira, e eu não vou entrar no mérito da questão, a roteirista (Deborah Kampmaier) mostra aqui a sua opinião, que me pareceu ser a de que Elvis não é um blues verdadeiro, e que a música que ele cantava foi criada pelos negros e que os brancos só passaram a cantar a música dos negros porque um branco começou a cantar. O que nos mostra, mais uma vez, a segregação racial e o preconceito que existia na época em ralação aos negros por parte dos brancos, como a jogada de propaganda em cima do cantor Elvis, o que talvez o tenha transformado no ícone que é conhecido hoje. E pra finalizar, deixa sutilmente uma coisa que sempre que me falam de Elvis ou de Michael Jackson, eu tento explicar, tudo bem que eram competentes, mas não eram nem o melhor, e muito menos a única coisa que existia, mas as pessoas em sua maioria só sabem o que a mídia apresenta e deixa muitas vezes de apreciar e se divertir com muitas outras coisas. Em uma cena vemos Leweelen (e são raros esses momentos), feliz, exatamente vendo uma mulher negra cantando um blues com Charles e seus amigos, foi talvez o segundo momento mais alegre da garota em todo filme, perdendo somente para a cena que Elvis manda um beijo para ela passando de carro pela estrada.

No início da projeção também vemos, a Lewellen garota precoce que gosta de fazer joguinhos, e colocar pulgas atrás da orelha e até no espectador, eu acho que ela consegue, pois pelo menos eu estou incucado com uma coisa, ela diz para seu amigo Buddy (Cody Hanford) que a cicatriz que ele possui é igual a dela, e que a dela tinha sido ocasionada pela agressão do pai, mas no restante do filme, mostra o pai carinhoso com ela, embora não seja com as namoradas, isso talvez seja uma forma da menina fantasiar as coisas para superar os seus problemas. Coisa que fica clara na fantasia que ela desenvolve com seu amigo Buddy, em que ela fala que é uma dançarina e que vai dançar para o Elvis em um show em sua cidade e que Elvis irá levar ela com ele. Em muitos momentos a personagem fantasia coisas do tipo, o que para mim que não sou psicólogo me parece uma maneira de fugir da realidade conturbada em que vive. A sua dificuldade de lidar com a situação de ser pobre e apesar de ser precoce, mas mesmo assim uma criança, não poder ser bailarina do Elvis, uma por não ter condições de fazer uma aula de dança e outra por não ter idade para isso. Mostra também o conflito da família, o pai um homem amargurado, que tem uma caso com a cunhada e a pobreza da família, o que é evidenciado na cena em que Lewellen e Buddy estão colhendo frutas para fazer a geléia da avó, e essas frutas estavam sendo colhidas (ou melhor roubadas como nos confirma Lewellen), de uma propriedade, uma mansão na região, e os dois interagem com uma garota que estava passando férias na casa, e podemos ver essa diferença de padrões sócio-econômico.

O filme segue mostrando a violência do pai, com o que depois ficamos sabendo que é a sua cunhada, e que tinha um caso com o pai de Lewellen marido de sua irmã, o que ocasionou a morte da mãe de Lewellen, até que chegamos a cena que dá origem a foto maior da capa, que é uma cena muito boa, que pra mim constrói muito bem a simbologia da mulher presa em um corpo de menina, aqui nós vemos de uma maneira mais concreta a construção da fantasia, onde Lewellen e Buddy encontram um carro na estrada, entram dentro dele e simulam estar viajando como um casal pela estrada. Lewellen pega então um cigarro e coloca na boca, logo depois encontra uma mala no banco traseiro e começa a vestir as roupas e a calçar os sapatos construindo de maneira visual a menina vestida como uma adulta e fantasiando ser uma adulta. Logo em seguida vemos o carro ser suspenso pelo guincho e descobrimos que sua tia estava fugindo com o motorista do reboque. Lewellen pede para que ela a leve dali, e ai vemos uma cena muito boa em que a garota simplesmente se comporta realmente como uma adulta em um dialogo que deixa a sua tia sem lugar dentro do carro, o que é interessante, essa coisa da menina-mulher, porque de maneira inversa eu vejo a tia como uma mulher-menina, melindrosa, chorona, frágil (como vemos na cena em que implora a ajuda da mãe), totalmente submissa aos namorados. Enfim, nesta cena vemos a garota que supera e se comporta muito mais como uma mulher do que a personagem mulher, sua tia, até mesmo deixando a adulta sem palavras, o que reforça a capacidade de construção simbólica e do conflito do roteiro.

Uma coisa que eu sempre vejo nos filmes que envolvem essa temática, não são todos é lógico, mas pelo menos os que mostram os negros no campo, não em centros urbanos como Nova York (talvez seja uma questão antropológica) é a personalidade e comportamento dos negros e dos brancos diante das dificuldades da vida. Quando fiz o curso de Design me ensinaram a fazer pesquisas para se construir o conceito e o tema, portanto acredito que a roteirista deva ter feito também, e isso é comum em filmes que retratam os negros e os branco e o universo do blues. O que eu vejo sutilmente nos roteiros é que os brancos são normalmente pessoas problemáticas psicologicamente, cheia de conflitos e muito violentas, tanto consigo mesmas quanto com os outros brancos, homens que batem em mulher, homens beberrões, briguentos, abaláveis por qualquer conflito familiar ou social, porém, já mostram os negros como um povo mais unido e mais alegre, sempre disposto a superar as dificuldades de cabeça erguida, apesar de serem tratados como lixo. É lógico que não podemos generalizar, como podemos ver na história de Milles Davis por exemplo, que era um tanto problemático e amargurado, mas essa visão é muito explorada, pode ter um fundo de verdade, o que desconstrói um pouco o que a mídia apresenta hoje em dia. Os negros se matando na África e nos subúrbios americanos.

Voltando a questão da cobra, aproveitando a coisa da capa, bem lá no início do filme, durante os créditos, tem uma cobra subindo em uma árvore, no filme inteiro há cobras, o personagem de Charles, é uma espécie de curandeiro que faz vários remédios, pomadas e ungüentos com as plantas e mais do que isso, o cara faz soro antiofídico, mais uma coisa que mostra os negros mais preparados que os brancos, que inclusive com relação a esse personagem, mostra um negro capaz, inteligente, trabalhador, e dotado de uma sabedoria invejosa e além disso tudo ele ainda é tipo um psicólogo, filosofo e caridoso, pois sempre é ele que ajuda os brancos que estão, via de regra, se metendo em confusão ou não sabem lidar, como por exemplo, com a picada de uma cobra. Mas voltando a questão da cobra, em um momento do filme vemos Charles falar uma coisa, que para mim, de maneira metafórica explica todo o filme e ainda mostra uma questão profunda sobre um aspecto da vida, vemos na cena o seguinte, Lewellen está sentada em um tronco de árvore de noite e vemos Charles falar “Sentindo o Espírito da escuridão? Estou pensando em cobras. A Medicina da serpente é rara. A sua iniciação, vem de terem sofrido muitas picadas de cobras. Faz com que o homem transforme seus venenos, veneno no corpo, na mente e no coração. Veneno na alma, transforma o veneno que pode matar, numa coisa poderosa e boa.” . Resumidamente nessa explicação está toda a questão do filme para mim, mais uma vez vemos os negros com uma capacidade de reflexão maior do que o branco, isso devido a sua tradição, coisa que todo mundo quase sabe, que o misticismo e a tradição dos povos africanos é toda voltada para a natureza e suas forças, principalmente as invisíveis, mas essa reflexão de Charles nos mostra previamente o que o filme quer apresentar, que as picadas são as feridas que a vida deixa nas pessoas, é a iniciação do homem (enquanto ser humano, não relacionado ao sexo), a dura iniciação para nos transformar em homens de verdade, iniciação do sofrimento das dificuldade que temos que atravessar, transformando o veneno deixado em coisas poderosas e boas, porque se não conseguirmos fazer essa “alquimia” é provável que o veneno nos mate, e tanto sintetiza o filme que a protagonista passa por todo tipo de dificuldade (picadas), culminando em ser violentada na tentativa de conseguir um ingresso para assistir ao show do Elvis, e depois ela se fecha e não consegue mais lidar e nem fantasiar uma fuga, o que a leva a ficar de cama, e ai o filme mostra o seu momento mais místico, em que aparece Lewellen deitada na cama e um monte de cobras entrando pela janela, e se amontoando em volta do seu corpo. No que Charles ouve Buddy e os amigos conversando, na hora ele já entende o que está se passando com a garota, Charles vai até a casa dela e a retira da cama e a pega no colo, e temos ai mais uma cena que mostra a sabedoria do negro no diálogo:

- O que vai fazer com esse vazio? Aquilo que amava foi violado e roubado de você. Tem um vazio aí. O que vai fazer com isso? - Charles

- Cala a Boca – Lewellen

- Todo esse espaço vazio deve ser preenchido para que não se torne mau. Ou ficam maus e te comam viva. Maus.– Charles

- Você é só um preto, sabia? Só um preto. – fala Lewellen

- Você também, menina. – retruca Charles

- Não, eu não... – fala Lewellen

- É sim. – diz Charles

- E fez acreditar que não era. A forma como você é tratada faz de você um negro. A maneira como te olham, insultam e cospem em você, as pessoas tentam fazer com que as odeie, tirando-lhe as coisas que mais ama. – fala Charles

- Vai deixar? – pergunta Charles

- Não digo que a vida não é dura como é, mas não os pode deixar ganhar. – diz Charles

- Deixe-me em paz. – grita Lewellen

- Não pode deixa que roubem o seu espírito. – fala Charles

Bom concluímos ai que as “picadas” são a nossa iniciação, mas temos que enfrentá-las, não podemos deixar que as “picadas” provocadas pelas pessoas e suas ações para conosco matem o nosso espírito. Não podemos deixar que isso aconteça, temos que transmutar o veneno, concluindo assim a iniciação e porque não talvez o rito de passagem de Lewellen a idade adulta e a sua transformação em mulher.

Lewellen então aceita ir cantar a música de Elvis, aquela música que ela sempre cantava, para Charles e seus amigos de banda, e nesta cena vemos Lewellen dizer que não conseguia dançar e cantar mais, o que pode ser indicativo de que ela tenha superado as coisas de antes, as coisas de criança, agora como uma mulher não consegue mais fazer essas coisas. Mais uma vez, Charles em sua sabedoria a aconselha dizendo que ela não precisa dançar, e que se ela procurar nas profundezas do seu ser a música vai estar lá, o que é psicologicamente certo, a questão da castração do comportamento infantil na passagem para a vida adulta, não precisamos deixar de ser criança totalmente para sermos adultos, e que lá no fundo nós podemos fazer uso dos comportamentos e fantasias de outrora para continuarmos, obviamente com a visão apurada de uma adulto desta vez, e então Lewellen começa a cantar, uma canção que tem tudo a ver com a trajetória dela no filme, que diz assim:

“Você é um cão de caça chorando o tempo todo, você nunca pegou um coelho, e não é amigo meu. Você não passa de um cão de caça chorando o tempo todo, você nunca pegou um coelho e você não é amigo meu. ... Quando disseram que não tinha classe, mas foi apenas mentira. Você nunca pegou um coelho e não é amigo meu.”

É Lewellen colocando para fora o sofrimento causado por aquele que ela acreditava ser o seu melhor amigo, e não só isso, mas de maneira mais profunda podemos dizer que os sofrimentos dos homens normalmente são causados por aqueles que julgamos ser nossos amigos ou as pessoas mais próximas de nós.

Basicamente é isso, aconselho demais o filme, apesar de ser um drama é gostoso de assistir, tem uma trilha bacana, uma fotografia agradável. É um bom programa para um fim de semana à noite, deitado na cama. As mulheres principalmente vão gostar mais do filme, devido o roteiro ser escrito por uma mulher e por se tratar de todo esse processo de iniciação de uma menina, criando assim uma maior identificação com essa parcela do público, mas também para os marmanjos que tem alguma sensibilidade e nenhum preconceito com esse tipo de narrativa, mas para os brutamontes também tem coisas que possam lhes agradar, tem pra todos os gostos. E mérito total para a roteirista e diretora, por sua sensibilidade e apuro em construir símbolos tão fortes.



Ficha Técnica:

Título Original: Hounddog realnost / País de Origem: USA / Gênero: Drama
Tempo de Duração: 100 minutos / Ano de Lançamento: 2007
Estúdio/Distrib.: Deerjen Films / Direção: Deborah Kampmeier

Elenco:

Dakota Fanning - Lewellen / Isabelle Fuhrman - Grasshopper / Cody Hanford - Buddy
Piper Laurie - Grammie / David Morse - Daddy / Afemo Omilami - Charles
Ryan Pelton - Elvis Presley / Ron Prather - Truckdriver / Christoph Sanders - Wooden's Boy
Jill Scott - Big moma thornton / Frank Hoyt Taylor - Doctor / Jody Thompson - Preacher
Robin Wright Penn - Stranger Lady

Sinopse:

No final dos anos 50, no sul dos Estados Unidos, Lewellen (Dakota Fanning) uma garota precoce e perturbada encontra nas músicas de Elvis Presley uma forma de superar o traumas de sua vida.

Nenhum comentário: